Leonardo de Nóbrega |
Está postagem é parte do Projeto P.LE.NA. Intenciona trazer para o leitor uma momento para conhecer um pouco mais sobre talentosos autores nacionais.
Hoje, um dia antes do meu aniversario de 26 anos, tive a honra de entrevistar o autor Leonardo Nóbrega. Conforme vocês lerem a entrevista entenderão bem o porque de ser um tão grande honra. Já realizei varias entrevistas aqui no blog, vocês podem conferir por outras postagens, mas essa de hoje é foi como um presente de aniversario antecipado. Cada pergunta foi respondida com notável carinho e entusiasmo. Apreciem a entrevista...
1 - Fale-nos um pouco de você. Quem você é? O que te move, inspira e diverte?
Sou brasileiro, cearense e fortalezense. Já vi e vivi um bocado, tenho bem contados cinquenta e cinco anos. Filho de um viúvo com três filhos e da minha mãe, segunda esposa dele com quem teve outros três, sou o segundo da segunda aventura matrimonial do meu pai, paraibano, com quem comecei a gostar dos livros e de quem lembro sempre com um livro nas mãos. Já minha mãe, professora de história, completou o gosto doce pelas leituras. Os meus irmãos mais velhos lotavam todos os cantos da casa com livros de todos os tipos, tamanhos, gostos e cheiros, que me deram diversidade e substância. Sou filho, marido, pai, professor, psicanalista, curioso e, hoje eu sei, escritor. O que me move, inspira e diverte? A resposta padrão seria escrever e ler, e é claro que essas são atividades prazerosas, mas o que eu mais gosto é de viajar, dirigir por duas ou três horas e ver o dia raiar em cima de uma serra, por exemplo, e, é claro, aproveitar o frio da manhã e o silêncio das pequenas cidades para escrever (e voltamos ao início -risos-)
2- Qual sua formação?
Muitos leitores e colegas escritores muitas vezes acham que sou formado, academicamente, nas Letras, mas não. Na verdade, sou geógrafo, com graduação pela Universidade Estadual do Ceará e especialista em Nordeste pela Universidade Federal do Ceará. Também tenho formação em psicanálise pelo Instituto Sedes Sapientae. Porém a minha formação como escritor foi a vida. Família grande, muitos amigos dos irmãos, amigos dos amigos, escotismo, viagens pelo Brasil, participação de eventos culturais de toda ordem. Usando uma frase do compositor e cantor Ednardo: “Está escrito, no grande livro da sabedoria popular, que primeiro se deve viver, que é pra depois poetar”
3- Como se da à relação entre você e a literatura?
Acredito que escritores são todos esCrizofrênicos -risos-. Todo o tempo estou pensando em algo que pode virar um livro, mas o processo é lento. É como quem faz pão, a massa precisa ficar descansando até que fermente e esteja no ponto de assar (não sei por que gordo só usa exemplos com comidas -risos-). O filósofo Nietzsche dizia que ficava grávido de um livro para depois de meses dá a luz, é mais ou menos isso, só que durante a gestação tem muita pesquisa, conversa, escrever e reescrever até nunca mais querer ler de novo o que foi escrito -risos-.
4- Quais são suas obras publicadas?
Sou um escritor tardio, mesmo que na adolescência estivesse sempre produzindo algum tipo de escrito, fossem algumas pequenas poesias ou umas peças para teatro que pareciam com tudo, menos com peças teatrais -risos- , mas a verdade é que elas acabavam sendo encenadas nos acampamentos escoteiros e até faziam algum sucesso, pelo menos entre os camaradas. Livros só resolvi escrever após os trinta e cinco anos. Porém o primeiro escrito nunca foi publicado e jamais será, está enterrado no meio do meu quintal debaixo de sete palmos de terra e de uma pedra de quinhentos quilos -risos-, ficou muito ruim. Depois desse veio a ideia de escrever o Outros Tempos que uniu a questão, que de tão comum já virou cliché, sobre se o passado seria melhor que o momento atual e uma homenagem a cidade de Fortaleza, principalmente o Centro onde nasci e cresci. Já o Crimes do Tarô foi inspirado em uma notícia que li em um jornal de 1928 que falava de uma bela ladra que atuava em uma cidade da Espanha, entretanto não envolvia o Tarô. Então, publicados, são dois: Outros Tempos e Crimes do Tarô.
5- Como se deu sua inserção nesse universo literário? Quais desafios encontrou para publicação de seus livros e como os superou?
Eu sou um autor autopublicado e não me arrependo. O meu primeiro livro (publicado) estava pronto e engavetado, eu não pensava muito nele, em publicar. Aí tive um golpe de sorte: fui demitido. Isso mesmo, fui demitido de uma das escolas em que ensinava há aproximadamente vinte e cinco anos, e com parte do dinheiro da rescisão contratei uma editora para publicar o Outros Tempos. Com a venda dele publiquei o Crimes do Tarô. A grande desvantagem de ser autopublicado é a falta de distribuição e divulgação, o autor acaba precisando se desdobrar para fazer todos os papeis da cadeia produtiva do livro. Mas, em compensação, o autor é realmente dono do seu trabalho: vende para quem quiser, pelo preço que achar justo e pode até distribuir em bibliotecas e escolas, se essa for sua vontade. Eu não tive a experiência de enviar originais para editoras e esperar a aprovação ou não de um editor, na verdade a aprovação dos meus livros vem dos leitores. E, até agora, tem sido positiva. Ainda bem!
6- Que elementos você considera importante na construção de um personagem?
Meus personagens surgem de várias maneiras. Eu escrevo a partir de um tema para o qual imagino o final, embora ele possa ser alterado vai manter o básico inalterado, a partir daí construo a trama para chegar a esse final. Os personagens vão sendo criados à medida que o desenrolar da história exige, apenas os protagonistas são determinados antes. Por exemplo, no Crimes do Tarô existe um Bairro Cigano que foi construído para atender a necessidade que Tomás (protagonista) tinha de informações sobre as cartas do Tarô de Marselha. E dentro desse bairro apareceram personagens que cresceram até o final do romance. Acho que o mais importante é a personalidade de cada um deles. Já li alguns textos em que os personagens mudam de comportamento várias vezes durante a história, o que torna a trama confusa para o leitor.
7- Quais são os livros e autores que inspiram sua vida? Recomenda-me algum.
Essa pergunta sempre é difícil. Mas, vamos lá. Falar sobre autores que inspiram não é fácil, mas eu citarei alguns na ordem em que apareceram em minha vida. Julio Verne; John Fowle (Livro O Colecionador); Agatha Christie; Edgar Allan Poe; José Saramago; Aravind Adiga; Mia Couto; Chimamanda Ngozi Adichie; e, o que está no topo da lista atualmente: Albert Cossery. Quanto aos livros, Além de Outros Tempos e Crimes do Tarô rsrsrs, de autores nacionais eu recomendo O Farol do Porto da Paz, da Kelly Cortez e Os Dias Roubados, do Carlos Vazconcelos (Com Z mesmo) e estrangeiro Mendigos e Altivos, e As Cores da Infâmia, do Albert Cossery.
8- Fale-me de seus projetos futuros. Tem mais livros a caminho?Sim. No momento estou escrevendo dois romances (Eu disse que somos esCrizofrênicos -risos-). Mensageiro da Morte e A Marca (ou Marcados, ainda não sei). Ao invés da falar sobre eles vou colocar aqui o início de cada um.
MARCADOSCAPÍTULO 1O arquivista Tobias Arcano era um homem pacato. Calado e solitário não gostava de multidões, o que para ele significava mais de oito pessoas. Um dos pequenos prazeres a que se permitia era a visita diária, ao cair da tarde, no final do expediente, a um “sebo” nas vizinhanças do Banco Efetivo onde cumpria expediente havia mais de doze anos. Não reclamava do trabalho, mesmo o achando maçante considerava que o que fazia era importante e precisava ser bem feito. Todas as pessoas com quem convivia diziam que era o homem certo para o trabalho certo: assíduo, metódico, disciplinado e organizado beirando a neurose obsessiva. Entretanto, o que ninguém sabia era que Tobias Arcano alimentava, desde há muito tempo, uma vontade de viver outra vida, mais excitante e divertida, menos disciplinada e previsível. Sonhava com aventuras e emoções como aquelas que ele lia nos livros usados que comprava no “sebo”, ansiava por uma vida glamorosa de detetive, como os dos romances policiais que devorava à noite quando era envolvido pelo silêncio tétrico do quarto que alugava na casa da dona Lúcia na Cidade Esperança, um bairro periférico e decadente excluído dos benefícios municipais. É claro que aquela situação não era agradável, porém o salário de arquivista não lhe permitia uma vida mais confortável, era preciso comer, se vestir e se locomover. Aquele quarto era o que podia pagar e ele até que não se incomodava, tinha privacidade e tudo o que precisava cabia lá: uma rede que não ocupava espaço quando desatada, um fogão de duas bocas, um velho micro-ondas, que dona Lúcia lhe dera quando comprou um modelo novo, uma pequena geladeira que comprou usada, uma mesa e quatro cadeiras. Tinha até banheiro no próprio quarto o que ele considerava um luxo extremo. Entretanto o mais importante era que tinha uma estante; uma grande estante feita de tábuas envernizadas sustentadas por tijolos cuidadosamente embrulhados em papel de presente, onde repousavam pequenas preciosidades: seus livros e ao lado dela uma puída poltrona de um tecido que um dia fora vermelho.
O Geraldo, dono do “sebo” já conhecia Tobias, ele era o mais frequente dos seus clientes, não comprava sempre, mas levava para casa, pelo menos dois livros por mês e não era do tipo que pedia para trocar por outros aqueles que havia levado antes. Aparentemente o moço do banco tinha em casa uma boa biblioteca, pensava o livreiro. Como de costume ao apagar das luzes, quando o Geraldo baixava as portas, o arquivista escolheu um livro: Marcas de um Criminoso. Era um antigo romance policial de um escritor desconhecido, entretanto o desenho na capa e um pequeno texto a guisa de preâmbulo impresso na folha de rosto chamaram a atenção de Tobias Arcano. A imagem era de um par de asas de ponta-cabeça, que ele sabia já conhecer, e um texto que advertia:
“Esse pequeno livro foi escrito cuidadosamente ao longo de sete anos como uma obra de ficção. Mas até onde podemos chama-lo assim? Os relatos eternizados nessas páginas podem ser fábulas ancestrais, mas estão escritos tão realisticamente perfeitas que poderiam, facilmente, serem confundidos com a mais pura e cruel realidade e, como tudo que é real retorna, ainda não chegou ao fim”.
MENSAGEIRO DA MORTE
O estranho homem sentado abraçado aos joelhos em um canto da sela imunda como ele próprio, entre o catre e a parede, sem comer ou beber, há dois dias, definhava abandonado. Os guardas o evitavam, menos um: Miguel, para quem ele contou sua história antes de cair na escuridão. Ele ainda tentou, em vão, trazer o rapaz de volta à luz, mas o moço chamado Virgílio apenas repetia dia e noite uma única frase: “não fui eu! Eu não matei aquelas pessoas, nunca matei ninguém, sou um pacífico professor de filosofia, eu alimento as mentes não as destruo”. CAPÍTULO I -Virgílio acordou às cinco horas e trinta minutos, desligou o despertador programado para quinze minutos depois, assim evitava o toque do pequeno relógio que ele comparava ao estridente e irritante canto do Anu Preto quando denuncia os caçadores que rondam pela mata. Fazia isso todos os dias. Também como em todas as manhãs, havia já muito tempo, ainda deitado praguejou contra Deus por mantê-lo vivo mais um dia. Deus, aliás, era mantido vivo no imaginário dele apenas para ser odiado. Aos outros se declarava ateu, para si próprio tinha a quem culpar. Não levantou imediatamente, ficou sentado por alguns instantes com os olhos vidrados no quadro muito azul pendurado na parede a sua frente. “Já vi esses borrões amarelos como estrelas explodindo suficientes vezes, mas cada vez parece ser a primeira” pensou. Cumpriu obsessivamente o ritual matutino. No minúsculo banheiro, evacuou ao mesmo tempo em que via uma mentirosa revista semanal sem muita importância, rapou as imperceptíveis penugens agrupadas aqui e ali pelo rosto, primeiro a face direita depois a esquerda e por último os vastos pelos que se espalhavam desgarrados no pescoço, como tufos de grama seca em um deserto ancestral. Banhou-se nos exatos seis minutos de costume, começando por ensaboar a axila direita depois a esquerda, ralou o “sujo” dos pés até reabrir as feridas pré-existentes nos solados de peles que de tão lixadas já eram quase transparentes. Vestiu a roupa escolhida na noite anterior, não que fosse uma escolha difícil já que todas as suas vestes eram assemelhadas: apenas calças jeans de cores diversas e modelo único e camisetas de algodão. Estilo despojado que adotara por total falta de vaidade e de bom gosto, que ele negava alegando ser esse fato apenas a atitude de uma pessoa pratica. Na cozinha improvisada a água para o café fervia em um fogareiro de querosene, enquanto na minúscula mesa de montar de tampo enferrujado, protegida por uma rota toalha de plástico que um dia fora vermelha, dois pãezinhos com margarina e ovos mexidos aguardavam prontos pelo café com leite. Esse era o seu desjejum de quase todos os dias, apenas aos sábados e domingos ele variava comendo também alguma fruta, uma panqueca ou uma omelete e isso porque nesses dias comia fora, tomava o café da manhã em uma padaria há algumas quadras de casa, sentia-se confortável lá: apenas os funcionários o conheciam. Podia observar analiticamente as pessoas, da forma que gostava, criando histórias mirabolantes para cada personagem que desfilava com um prato na mão em busca de uma mesa onde houvesse vaga. A dele sempre tinha, mas nunca era ocupada pelos estranhos. Eram pessoas de fora, de diversos bairros e que partiriam logo; não o ameaçavam. Mesmo que aquelas criaturas, os seres da padaria, ficassem impressionadas, ou chocadas, com sua triste figura, os comentários seriam feitos em outras paragens, sem a proximidade ou o conhecimento dele. Com o café pronto e o fogareiro apagado e guardado terminou a frugal refeição matinal e saiu para uma visita inusitada e extremamente desagradável, mas não sem antes verificar, várias vezes, todos os cadeados que protegiam o seu inestimável patrimônio imobiliário. Desceu os cinco degraus cinzentos feitos de pesadas e monolíticas pedras, mas gastos e rachados pela ação do mais devastador e cruel cavaleiro do apocalipse, o quinto cavaleiro, aquele não citado na bíblia: O tempo. Ganhou a alameda, e como sempre fazia se virou e deu uma boa olhada no seu mausoléu de mármore negro encimado por uma cruz de metal dourado e se sentiu feliz por morar no bairro mais tranquilo da cidade: O cemitério. O bairro dos mortos.
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9- O que significa para você esse efeito mágico que a leitura causa nas pessoas, especialmente nas crianças e nos adultos sonhadores?Confesso que não sei bem responder a isso, então vou pedir ajuda aos filósofos. Nietzsche e Kafka por favor!
“A arte deve antes de tudo e em primeiro lugar embelezar a vida. A arte existe para que a verdade não nos destrua”. (Nietzsche)
“Apenas deveríamos ler os livros que nos picam e que nos mordem. Se o livro que lemos não nos desperta como um murro no crânio, para que lê-lo? Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em nós”. (Kafka)
Obrigado, meninos.
10- Escolha uma frase ou parágrafo de um de seus livros para nos inspirar.
“As palavras eram desnecessárias, não comportavam tudo que deveria ser dito. Por isso nada foi explicado, nada foi questionado. Palavras são traidoras, mostram-se quando deveriam esconder-se; quando proferidas, tomam vida própria, são rebeldes e não podem mais serem contidas. À palavra dita não cabe recurso”. (Outros Tempos Pág. 232). Pensem nisso. Abraços e que a Carta X, a Roda da Fortuna, os acompanhe.
Ulisses, um jovem bem-sucedido jornalista que vive na bela e agitada cidade de Fortaleza, tem sua despreocupada vida de solteiro transformada quando acorda, numa manhã qualquer, no ano de 1942. Nessa "nova" vida, no passado, o recebimento de um pacote misterioso deixado para ele pela bela Camille o envolverá em uma série de eventos relacionados com a II Guerra Mundial, com uma célula nazista no Brasil e com a resistência brasileira, que o levará, alternadamente em suas duas vidas, por um labirinto angustiante de segredos, códigos, tradições e mortes, mas também de poesia, festas e romance. Uma história envolvente e surpreendente.
A livraria estava deserta àquela hora da manhã. Tinha um clima tranquilo, era um espaço de paz onde cheiros, luzes e sombras, objetos e móveis antigos em madeira escura harmonizavam-se. Era possível reconhecer ali a presença de culturas milenares e a sapiência de povos ancestrais. Mesmo pessoas céticas, como inspetor Tomás, podiam sentir a energia esotérica que inundava aquela pequena sala em uma estreita galeria do Bairro Cigano. A presença de Tomás naquela loja demonstrava a certeza que ele agora tinha de que mais cartas de tarô surgiriam para decifrar. Tinha esperança que não fossem muitas
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Entrevista com o autor: Leonardo Nóbrega
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Oleh
Professor Augusto Junior
5 comentários
Escrever comentáriosAdorei a entrevista, gosto muito dos escritos do Leonardo.
ResponderObrigado Lilian, você sempre muito gentil. bj.
ResponderGostaria de aproveitar e pedir aos leitores da Cabeça de Abóbora para votarem em qual dos dois livros que postei os primeiros capítulos na entrevista gostariam de ler primeiro. Obrigado.
Responder* DO Cabeça...
ResponderEstou encantado com a escrita dele também, Lilian <3
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