terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Artigos Relacionados × +

Entrevista com o autor: Sergio Viula



A entrevista de hoje do projeto P.LE.NA, que visa a valorização da literatura nacional, foi com o ilustre e talentoso Sergio Viula! Conhecer o trabalho dele é ir de encontro à uma literatura de profundidade. Apreciem e aproveitem para conhecer um pouco mais do autor e suas obras.


1- Fale-nos um pouco de você. Quem você é? O que te move, inspira e diverte?

Meu nome é Sergio Viula, sou blogueiro, escritor e professor. O que me move é o fascínio pela vida e o desejo de ver a sociedade brasileira mais livre, amadurecida e igualitária. Muitas pessoas me inspiram, algumas vivas, outras mortas. Propositadamente, cito dois lesgiladores que foram pioneiros no sentido de serem os primeiros gays assumidos e defensores dos direitos LGBT em suas esferas de ação. Um é brasileiro e contemporâneo nosso, o outro era a americano e teve a vida interrompida por um colega de ofício dominado por ódio homofóbico. Refiro-me a Jean Wyllys e Harvey Milk, respectivamente. Posso incluir aqui nomes a perder de vista, tanto de gays (Toni Reis, Luiz Mott, Claudio Nascimento, Carlos Tufvesson) como de lésbicas (Lea Carvalho e Malu Santos), de pessoas transgênero (Indianara Rodrigues e João Nery) e de pessoas queer (Pri Bertucci e Magô Tohon). Se eu fosse dar exemplos a partir de cada letrinha da sigla LGBTQIA (lésbica, gay, bissexual, transgênero, queer, intersexual e assexual), seriam algumas dezenas de nomes de pessoas que admiro ou com quem já estabeleci parcerias para a expansão da consciência no que tange à sexodiversidade e às identidades e performances de gênero. Sobre o que me diverte, posso dizer que uma descontraída conversa com amigos, um bom livro ou uma simples caminhada sem destino certo num dia de folga são sempre bem-vindos.

2- Qual sua formação?

Sou formado em teologia pelo Seminário Teológico Betel (Rio de Janeiro), em filosofia pela UERJ, onde faço um mestrado em linguística no momento.

3- Como se da à relação entre você e a literatura?

Sou apaixonado por livros, tanto lendo como escrevendo. Claro que leio muito mais do que escrevo, tanto por lazer como para fins de pesquisa. Em termos do que vem sendo chamado de literatura LGBT, o último livro que li foi "Este livro é gay... e hétero, e trans, e bi.", escrito por James Dawson. Isso foi na segunda semana de dezembro de 2015. Este ano, não computei o número ou os títulos de livros que li dentro dessa temática, mas ano passado (2014), fiz questão de fazer esse registro para ter uma ideia da quantidade de obras que eu conseguiria ler. Só contei os que se inscrevem como literatura LGBT. Foram 35 livros. Tomei a liberdade de colocar a lista das obras lidas naquele ano ao final dessa entrevista. Vale lembrar que novos títulos e autores surgem o tempo todo - o que é extremamente estimulante, porque mostra a vitalidade desse segmento.

4- Quais são seus livros? Fale um pouco sobre eles.

Meu primeiro livro foi o "Em Busca de Mim Mesmo" que provocou comentários muito positivos, tendo sido citado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em documento oficial de 2013, em resposta às investidas de Marco Feliciano e sua turma contra a resolução do CFP que baniu, desde 1999, as falsamente chamadas terapias de reversão sexual, ou de reorientação sexual, ou de cura gay, ou seja lá que nome os fanáticos e outros preconceituosos venham a dar a esse embuste. O livro impresso se esgotou, mas a versão e-book continua disponível no Amazon.com.

Depois, escrevi "Crônicas de um Casamento Duplamente Gay", um livro também autobiográfico, só que em formato de crônicas, para falar sobre casamento homoafetivo. Curiosamente, ao longo das historietas, o livro dava até dicas sobre como fazer o requerimento de habilitação para o casamento civil, enquanto contava histórias pitorescas sobre o meu dia-a-dia com meu marido naquela época. Duplamente gay é uma brincadeira com o fato de ser sobre o casamento de dois homens e com o significado da palavra gay quando ela foi adotada pelos homossexuais para referirem-se a si mesmos: feliz ou alegre.

Escrevi vários contos. As editoras que os publicaram foram a Escândalo, a Orgástica e a Metanoia. Esta última publicou meu conto "Ocaso" como parte de uma coletânea chamada "Um Rio de Cores", que celebrava os 450 anos da cidade do Rio de Janeiro no ano de 2015. Esse trabalho contou com uma parceria com a Secretaria de Cultura do Município do Rio de Janeiro. Um concurso foi realizado e dois livros foram publicados, sendo um de contos e outro de poesia, ambos escritos por vários contistas e poetas.

Recentemente, também lancei "O homem que amava mendigos", mas esse foi apenas em formato e-book. Trata-se de um romance que apresenta a surpreendente relação entre um empresário extremamente bem-sucedido e um morador de rua. Essa relação, porém, só encontrará possibilidades de existência quando um incidente inesperado colocar os dois frente a frente. Apesar de serem de mundos tão diferentes, Eduardo e Leo têm mais em comum do que imaginam - um passado que vai desafiar sua capacidade de amar e de perdoar, além de outras surpresas incríveis. Acessível no Amazon.

5- Como se deu sua inserção nesse universo literário? Quais desafios encontrou para publicação de seus livros e como os superou?

O desafio do primeiro livro (Em busca de mim mesmo) foi produzir um relato autobiográfico que dialogasse com temas como homofobia, “cura gay”, reforço religioso dos preconceitos, contando casos reais sobre mim mesmo e sobre outras pessoas que passaram pelo movimento sem expô-las, mas sem ficar só na contação de histórias. Fiquei sete anos escrevendo e amadurecendo as ideias. Nenhuma editora topou fazer a publicação. Acho que algumas foram covardes mesmo. Outras podem nem ter lido o material, simplesmente por não estarem interessadas em escritores desconhecidos. Além disso, os embates sobre “cura gay” ainda não estavam em alta na Câmara dos Deputados. Decidi que eu mesmo encararia o desafio da publicação. Contratei uma editora e segui com o projeto. Os editores se empolgaram com o texto, e eu percebi que isso poderia ser um sinal do que aconteceria quando o livro chegasse finalmente aos leitores. Dito e feito. Muita gente me enviou comentários belíssimos. Algumas pessoas compartilharam suas histórias comigo. Mas, o que mais me surpreendeu foi que muitos heterossexuais se interessaram e se encantaram com o livro. Soube de esposa que lia com o marido na cama para depois trocarem ideias sobre o texto. Recebi contato de muita gente que me disse ter decidido sair do armário após a leitura. Foi emocionante, mas decidi que o livro impresso já havia cumprido seu papel depois de esgotado, e, para não deixar as pessoas que ainda não o haviam lido sem opção, disponibilizei o conteúdo em formato e-book pelo Amazon. Também não posso deixar de reconhecer a parceria da Livraria Cultura na venda da edição impressa. Ela foi uma peça-chave.

6- Que elementos você considera importante na construção de um personagem? 

No caso de “Em busca de mim mesmo”, essa construção foi diferente, porque o autor e o personagem principal eram a mesma pessoa (risos), mas em “O homem que amava mendigos”, eu pensei Eduardo como o homem rico que tinha uma curiosidade recorrente sobre o modo como vivem os que não têm onde morar e nem bens que garantam qualquer segurança pessoal. Mesmo tendo tudo na vida, ele era muito reprimido em seu desejo. Muito diferente de Leonardo que vivia nas ruas do Rio de Janeiro, mas era absolutamente resolvido em sua sexualidade. Leonardo perdeu o pouco que tinha por causa da homofobia de seus pais. Os dois são pessoas de mundos extremamente diferentes, com modos muito distintos de lidar com a sexualidade, mas com uma coisa em comum: sua homoafetividade. Um acidente vai aproximá-los e eles vão descobrir que têm muito mais em comum do que poderiam supor... Mas isso só lendo para saber (risos). Considero importante dizer que o livro contempla a diversidade sexual para além dos relacionamentos entre homens. Na verdade, existem diferentes núcleos dentro da história que vão se conectando ao longo de seu desenvolvimento.

7- Quais são os livros e autores que inspiram sua vida? Recomenda-me algum.



João Silvério Trevisan é nome certo. “Devassos nos paraíso” é um must-read. Infelizmente, encontra-se esgotado, mas precisa ser reeditado urgentemente. De um polo a outro, fui profundamente tocado pela leitura de “Viagem solitária”, escrito por João W. Nery, um dos mais famosos homens trans do Brasil. Recentemente, também fiquei muito bem impressionado com “Theus – do fogo à busca de si mesmo”, escrito por Fabrício Viana. Cheguei a recomendar este último num vídeo-resenha. Segundo o próprio Fabrício, os comentários o emocionaram profundamente. Isso me deixou muito feliz também. Pouco antes, eu havia lido “All Star Xadrez”, livro de Dandara Pinheiro. Trata-se de um romance que descortina a vida de personagens lésbicas que moram em dois condomínios vizinhos - um é chamado de All Star e o outro de Xadrez. Pode parecer meio ingênuo pelo título, mas o livro é muito interessante. Dandara constrói personagens que experimentam novos amores, enfrentam rivalidades, mas estabelecem grandes parcerias. Em muitos momentos, ri com as tiradas inteligentes, irônicas e até mesmo eróticas que a autora pôs na boca dos personagens. O mais recente, porém, foi “Este livro é gay... E hétero, e trans, e bi”, escrito por James Dawson, renomado autor britânico. A obra foi lançada recentemente e provocou celeuma entre os fundamentalistas. Lendo o livro, entendi por quê. Trata-se de um verdadeiro almanaque, todo ilustrado, rico em informações de todos os tipos para jovens, que cobre desde a explicação do que significa cada letrinha da sigla LGBTQIA até instruções sobre as diversas maneiras de se fazer sexo, seja entre homens ou entre mulheres (transgênero, cisgênero ou uma combinação de ambos). Gostei tanto que enviei uma mensagem em vídeo para o autor e para a editora lá no Reino Unido (a Hot Key Books), em inglês, e outra para a editora dele aqui no Brasil (a Martins Fontes) em português. As duas me responderam com satisfação. Fiz isso, porque considero importante reforçar as boas iniciativas e o bom trabalho.

8- Fale-me de seus projetos futuros. Tem mais livros a caminho?

No momento, devido à necessidade de me dedicar ao mestrado, ao trabalho e tudo o que a vida demanda nos intervalos, não tenho um projeto em andamento, mas as ideias borbulham. Talvez, depois de apresentar minha dissertação, eu consiga focar em uma nova obra.

9- O que significa para você esse efeito mágico que a leitura causa nas pessoas, especialmente nas crianças e nos adultos sonhadores?

Você disse bem: efeito mágico. De fato, a literatura tem esse poder de nos inserir em novos mundos, de nos tornar íntimos de pessoas que nunca andaram debaixo do sol, mas que encontram eco em nossa própria vivência e em indivíduos ou situações que reconhecemos sem que precisemos fazer muito esforço para isso. Autores que conseguem produzir esse efeito nos leitores são verdadeiros magos das letras. Outra coisa fascinante é reconhecer que cada leitor reescreve a história à medida que a lê. Ele não apenas reconstitui, pela leitura, o que autor havia constituído a partir da escrita, tanto que os próprios autores são frequentemente surpreendidos pela a variedade de compreensões que diferentes leitores têm dos mesmos trechos de sua obra. De fato, eles “encontram” coisas que os próprios escritores nunca planejaram colocar lá. Isso também é extraordinário!

10- Escolha uma frase ou parágrafo de um de seus livros para nos inspirar.

Cito uma frase que figurava na abertura do meu blog (www.foradoarmario.net) e que se tornou parte do simpático livro “No caminho do arco-íris”, publicado pela Editora Metanoia:

O ressentimento contra a felicidade alheia é o maior atestado de infelicidade própria que alguém pode dar a si mesmo. Todo fundamentalista, por adiar a felicidade para o além-mundo, se ressente da felicidade dos outros. Por isso, ele abana as chamas de seu próprio inferno para cima daqueles que, ignorando seu esforço para estragar tudo, constroem sua felicidade aqui e agora da melhor maneira possível.
----

Livros do autor:
O leitor é convidado a embarcar nesta viagem em busca de si mesmo, conferindo por que Sergio Viula diz que 'sair do armário' foi a decisão que ele considerou como mais acertada da sua vida. Pessoas enfrentando dramas semelhantes, principalmente aquelas oprimidas por motivos religiosos, poderão experimentar emoções e aprofundar sua própria reflexão através desse relato contido na obra.

O singelo texto Crônicas de um Casal Duplamente Gay nasceu da vontade de compartilhar e inspirar. O título ‘duplamente gay’ refere-se ao duplo sentido do vocábulo inglês, que significa literalmente alegre, feliz, e passou a ser aplicado a tudo o que diga respeito à orientação sexual homoafetiva. O leitor acompanhará o casal por diversas experiências do dia a dia, desde o encontro até o casamento. As crônicas apresentam com honestidade os desafios enfrentados pelos dois, suas alegrias e esperanças. Confiança mútua correspondida por aquela honestidade capaz de dizer e de ouvir o que não se diz a mais ninguém, de confessar o inconfessável, sem nunca tirar vantagem do desnudamento do outro – esses são conceitos-chave nessa história. Nessa relação, não há letrinhas pequenas. Não há pegadinhas. O que há é o desejo de ser e fazer feliz um ao outro, apesar de todos os defeitos pessoais e dos percalços que a vida, de per si, impõe.


O homem que amava mendigos é um romance escrito por Sergio Viula cujos personagens dialogam com diversos aspectos da sexualidade e da afetividade humanas.


O Autor nos mandou também uma lista de livros com temática LGBT em 2014:

1. WARREN, Patricia Nell: O Corredor de Fundo;

2. MORAES, Paulo Sergio: Condicional; 

3. GREEN, James N.: Além do Carnaval; 

4. HIGGS, David: Queer Sites (em andamento); 

5. GREEN, James N., POLITO, Ronald: Frescos Trópicos; 

6. CALDEIRA, Helder: Águas Turvas; 

7. REINAUDO, Franco; BACELLAR, Laura: O Mercado GLS; 

8. FACO, Lúcia; BACELLAR, Laura; KORICH, Hanna: Frente e Verso; 

9. MUNIZ, Roberto: Urânios - Editora Metanoia (OBS: Li ainda em e-book lançado pelo próprio autor, mas amei especialmente a edição produzida pela Metanoia); 

10. MECCIA, Ernesto: Los Últimos Homosexuales - Sociología de la homosexualidade y la gaycidad; 

Você irá gostar

Entrevista com o autor: Sergio Viula
4/ 5
Oleh